Aula 8º - Escrita Avançada parte 2

30/12/2010 16:26

 


Olá, Ficwriters! Primeiramente, desculpem a demora para postar esta aula, eu realmente estava ocupada estes tempos. Segundamente... essa imagem não é tudo de bom? Achei-a muito criativa.

Terceiramente e mais importante, eu gostaria de retificar uma observação da aula passada e explicá-la melhor. Foi uma questão levantada por uma leitora, dizendo que existem sim livros em que o nome do personagem precede sua fala, de escritores bem reconhecidos. Isso é verdade, mas geralmente se aplica ao teatro, o que não é nosso objetivo aqui.

Foi o que respondi por LV, mas uns dias atrás me ocorreu já ter lido um livro em que aparecia o nome da personagem, dois pontos e então a fala. E foi num texto de Machado de Assis, não voltado ao teatro. A ocasião? Um capítulo fora do comum, em que os personagens não diziam nada, a não ser "...", "...!", "?". Sim, um capítulo só com pontos! Eu aaacho que foi em Dom Casmurro, mas não posso ter certeza, porque faz anos que li esse livro.

Então peço desculpa aos meus leitores e peço que, mesmo assim, evitem usar nome, dois pontos e depois a fala. Continua ficando feio. E Machado só usou nessa ocasião, pelo que me lembre.

De qualquer forma, não estamos usando os escritores clássicos como parâmetro. A escrita deles é maravilhosa... mas já morreu. Não me lembro de ter lido um escritor moderno que usasse o estilo de Machado.

Se alguém souber, me avise!

Voltando:

Nesta aula, vamos fazer uns exercícios de Escrita Avançada, com o objetivo de sair do comum.

Aula passada, na parte 1, aprendemos a usar verbos diferentes para descrever ações bastante comuns, como "falar", "andar" e "gritar".

Aqui vamos usar uns adjetivos diferentes e aprender a descrever uma cena com Ponto de Vista (POV)! Existe um movimento literário chamado Realismo, e um de seus maiores autores é Aluísio de Azevedo. Bom, esse escritor é bem famoso por descrever seus personagens como animais, o que dá para perceber em O Cortiço e O Mulato, por exemplo.

O modo de ele escrever é bastante direto (chegando a quase ser "rude") e um tanto pessimista. Mas a lição que podemos tirar com o Aluísio é a de usar termos geralmente aplicados a animais, apenas para descrever pessoas.

O problema de escrever é que nós só dispomos de palavras e pontuações para expressar vários sentimentos. Usando o exemplo do livro Preconceito Lingüístico (agora sem trema! Mais adiante posto uma aula sobre as regras novas), de Marcos Bagno, tentem dizer "Fogo!" com diversas expressões: de medo, tristeza, agonia, surpresa. É sempre a mesma entonação?

Claro que não!

Então uma boa coisa é descrever o sentimento da personagem ao dizer as frases, evitando escrever simplesmente:

- Você queria me dizer alguma coisa?
- Sim, mas fale baixo! Podem nos ouvir - murmurou F.


Apontando o verbo usado, "murmurar", que é legal de se usar. Dá para pôr também "sussurrar". Mas como foi que F disse essa frase? Já sabemos que foi baixinho. Mas com surpresa, indignação, raiva? Como o leitor vai saber?

Simples. Diga a ele!

- Você queria me dizer alguma coisa?
- Sim, mas fale baixo! Podem nos ouvir - murmurou F., olhando ao redor com nervosismo.


Prontinho, agora sabemos que F estava nervoso. Não é para usarmos esse recurso o tempo todo, senão o texto fica muito carregado. E se for uma cena dinâmica, descrever demais tira um pouco desse dinamismo. É preciso ter bom senso!

Lição 1 do dia então foi: Falas não são só falas! Expresse o que o personagem quer dizer.

A dica de agora é sobre PDV (Ponto de Vista), também conhecidos como POV (Point of View).

Numa história que seja contada em primeira pessoa, o POV é essencial e deve se ter cuidado para não dar informações demais ou de menos. Em terceira pessoa também é interessante usar as dicas daqui. Então mãos à obra!

Quando uma pessoa que tem medo do escuro é obrigada a andar por um cemitério deserto à meia-noite, é certo que ela vá sentir bastante medo. Veja a cena a seguir.

Eu andava devagar pelo cemitério, a luz da lua não ajudando muito. Era minguante e não iluminava o chão tanto quanto eu gostaria. Eu tinha medo do escuro, e ele agora me invadia e fazia tremer minhas mãos. Caminhei apavorada por mais alguns metros, até que encontrei o que procurava. A cripta vazia.

Agora ponha-se no lugar do personagem. Você tem pavor do escuro e está num cemitério. Será que simplesmente andaria por aí, tremendo e meio chateada que a lua está minguando?

Sim, eu acredito que sim. Mas alguns detalhes podem fazer seu texto criar mais vida e se pôr no lugar da personagem sempre ajuda. Um cemitério à meia-noite... que espécie de barulhos deve fazer? Que cheiro deve ter? Será que ouviu um gato, uma coruja, o crepitar de um galho se quebrando? Será que não dá vontade de chorar e sair correndo?

Veja o texto reescrito:

Eu andava devagar e hesitante pelo cemitério, a luz da lua não ajudando muito. Era minguante e não iluminava o chão direito, criando sombras longas e assustadoras. Minha respiração estava presa, pois eu temia fazer barulho demais - o silêncio daquele lugar era medolho. Mesmo meus passos eram suaves, mas pareciam ecoar dez vezes mais alto e meu coração dava saltos a cada som. Eu ria baixinho com histeria ao constatar que era apenas o vento, ou um gato.

Eu tinha medo do escuro, e naquele momento estava aterrorizada. Tudo parecia mais lúgubre à medida que eu avançava, lutando o tempo todo contra a vontade de voltar. Então eu divisei a forma do que estava procurando, apesar dos meus olhos cheios de lágrimas. A cripta vazia estava lá.


O texto ficou mais descritivo, mostrando as reações físicas a uma situação psicológica. Isso é interessante e faz o leitor se identificar melhor com a personagem (não porque ela está atravessando um cemitério, mas porque ela tem reações de pavor. Não simplesmente anda por aí). E não é isso que a maior parte das pessoas faria? Teria medo e vontade de fugir?

Agora, se seu personagem foi criado num cemitério ou não tem medo de nada, a situação é outra. Veja agora outro personagem atravessando o mesmo lugar, à mesma hora.

O coveiro olhava para o céu, procurando por nuvens que indicassem que choveria mais tarde. Conseguia ver algumas estrelas, e isso o animou. Nada de chuva. Assobiou baixinho e pôs as mãos no bolso, andando a passos lentos. Gostava da atmosfera calma daquele lugar, e à noite tudo ficava ainda mais silencioso. A lua estava minguando, mas era suficiente para ele enxergar. Ouviu um gato miando e sorriu para si mesmo. Dionísio era o gato de sua vizinha, e sempre fugia àquela hora para vê-lo. Tirou do bolso um pedaço de carne e atirou para longe, na direção do som. O bichano iria se fartar.

Desmanchou o sorriso e andou a passos mais rápidos pelo cemitério até encontrar o que procurava. A cripta vazia se estendia à sua frente, nem um pouco alterada nos últimos anos. O nome da laje estava ilegível, mas logo haveria um novo. O sórdido homem sorriu.


Perceberam? Você mal nota que é um cemitério, até que ele diz estar em um.

Isso é o ponto de vista, e está em terceira pessoa. Pessoas que não vivenciaram certas situações têm uma noção diferente de outras que vivem aquilo. Notam pequenos detalhes que já passam despercebidos a quem passa por ali todo dia. E isso vale não só para lugares, mas para situações diversas.

Lição 2 do dia foi: ponha-se no lugar da personagem e imagine o que ela estaria sentindo, fazendo ou pensando naquela situação.

Vamos praticar?

1) Descreva a seguinte situação para duas pessoas diferentes: ele ou ela acordou e descobriu que estava numa ilha deserta. Não sabe o que aconteceu, mas sabe que tem que sair dali. Mas o que fazer?

2) Usando a palavra SUCUMBIR (cair, desistir, ser derrotado) ou seus derivados, escreva no mínimo um parágrafo de sete linhas sobre um rapaz de 17 anos que se vê no meio de uma verdadeira guerra épica.

Dica 1: a guerra pode ser nos tempos de hoje ou não; pode ser no estilo O Senhor dos Anéis ou então uma Guerra Mundial. Ou mesmo uma guerrinha de escola. A imaginação é por conta de vocês.

Dica 2: Só porque o personagem tem 17 anos e está numa situação que exige maturidade, não significa que ele precise ter medo. Ele pode ter medo? É claro! Eu ficaria apavorada numa situação dessas. Mas quem sabe como ele vai reagir, ou mesmo como ele entra nessa história, são vocês.

Obrigada por lerem!

Novamente pedindo para que não copiem os textos, pois são de minha autoria.

Fontes: Preconceito Lingüístico, de Marcos Bagno.
Site de Júlio Rocha, autor de Teia Negra (https://www.jrocha.com.br/)

Fonte: Animespirit